Friday, February 28, 2014

Natal da Adhara

Parte I
Porta-Jóias
O vento gelado de Londres foi o primeiro a cumprimentar a morena de olhos azuis assim que desembarcara em King’s Cross. A moça sorriu de leve. Fazia pouco mais de um mês, e lá estava ela novamente na capital britânica. Sua última estadia naquela cidade havia se provado surpreendentemente agradável. Talvez a partir de agora ela pudesse guardar sempre em sua memória o gosto de chocolate quente, a conversa durante a madrugada e as histórias da menina com o seu jardim e a princesinha com a sua mágica toda vez que pensasse em Londres.
Mas suas reminiscências foram sopradas levemente para longe, junto com o vento, quando Adhara sentiu um calor reconfortante perto de si. Ao virar o rosto para o seu lado direito, ela encontrou as feições de Trowa. O braço dele circundava os ombros da namorada, em uma espécie de meio-abraço, e ele trazia aquele semblante tranqüilo que a sonserina havia acostumado a ver nos olhos dele.
Trowa curvou-se até que seu queixo estivesse na linha do ombro da garota para poder falar ao ouvido dela:
- Estou feliz por ter você neste natal...
Adhara sorriu de leve com aquelas palavras. Certamente o rapaz não poderia estar tão feliz quanto ela ficara ao receber o convite dele para passar as férias de fim de ano junto com os Barton. Não demorou muito para que ela descobrisse o quanto realmente gostava de ficar perto de Trowa. Mais do que isso, estar ao lado dele já parecia algo... Natural. Como se aquilo não fosse uma simples coincidência ou algo puramente casual. Cada vez mais ela tinha essa certeza que as coisas deveriam ser daquela maneira.
Talvez aquilo fosse “amor” afinal. Ela não poderia afirmar com total segurança, já que nunca perguntara a alguém que já havia amado como era o sentimento. Mas aquela sensação morna no seu peito que a fazia ter vontade de sorrir deveria ser “amor”. Ou o mais próximo disso que ela jamais havia sentido.
Sem aviso ambos ouvira uma tossida discreta atrás deles e, ao se afastarem um do outro, depararam-se com o semblante debochado de Julian Gauthier.
- Desculpe por interromper o momento especial, mas é melhor irmos andando antes que as lojas fiquem cheias demais. Quero dizer, vocês ainda querem comprar presentes, não é? – disse ele, com os braços cruzados sobre o peito. Mas o tom de voz dele traia completamente a postura séria que tentava manter. Ele não poderia parecer menos incomodado com a conduta do casal.
Adhara abaixou o rosto, tentando esconder o semblante que se tornara ligeiramente risonho. Gauthier realmente parecia ser um cara legal. Pelo menos ele estava tratando-a de uma maneira incrivelmente gentil desde que havia começado a namorar com Trowa.
“Namorado”... Não importava quantas vezes repetisse a palavra e sua mente, ela ainda lhe soava estranha. Como se a denominação tivesse saído de alguma história que não combinava em nada consigo...
- Ele está certo. – a voz de Barton interrompeu a linha de pensamentos dela – É melhor irmos andando.
O rapaz estava parado na frente de Adhara, obscurecendo a visão que os olhos azuis meia-noite tinham de Gauthier. A mão estendida, esperando por ela. Não demorou até que os dedos enluvados estivessem entrelaçados. Os três jovens empurrando carrinhos com as suas parcas bagagens e desviando de adultos e crianças em busca da passagem para fora da plataforma 9 ¾.
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A decisão do trio de despacharem suas bagagens para a casa de Trowa direto pela via de Flu realmente viera a calhar pois, como Gauthier bem previra, as ruas londrinas estavam realmente apinhadas. A última coisa de que precisavam naquele momento era terem que carregar malões (mesmo que em tamanho diminuto) entre aquele mar de pessoas que andavam pelas calçadas cobertas de neve. Havia tanta gente e tantos carros nas ruas que Adhara chegara a pensar que a população da cidade houvesse se multiplicado magicamente do dia para noite.
Apesar de ter nascido e morado durante dezesseis anos naquele lugar, a sonserina não estava acostumada a andar por Londres, muito menos ainda na parte trouxa da cidade, onde agora se encontravam. E a verdade é que não fazia idéia de como proceder para realizar uma compra natalina. Ela nunca havia realmente se preocupado em comprar presentes de natal para alguém. Principalmente porque nunca havia comemorado a data de uma maneira apropriada.
Somente nos últimos tempos a jovem começava a reparar em quantas coisas lhe eram desconhecidas. Poderia saber latim, dominar a esgrima e até ter aprendido conceitos alquímicos, mas que uso concreto havia para aquilo em sua vida? Parecia que tudo que aprendera por ordens de Kamus ao longo dos anos figurava mais como bibelôs em um currículo vazio do que algo de que deveria realmente se orgulhar. Ela não sabia nada sobre ser uma “pessoa de verdade” e agora via isso mais claro do que nunca.
Adhara ouviu o barulho de sininhos de latão tilintando e notou que Julian havia recém aberto a porta de uma loja razoavelmente pequena em cuja vitrine repousavam itens como estatuetas de cristal, bonecas, porta-jóias, porta-retratos e caixinhas de música.
O jovem de cabelos claros entrou na frente e ela logo encontrou-se caminhando de braços dados com Trowa para dentro da loja. Uma lufada de ar quente assaltou-a e ela apressou-se a remover o cachecol e as luvas que usava.
- Você tem alguma idéia do que quer comprar? – perguntou o moreno, também procedendo para remover o casaco pesado que usava.

- Não muito... Acho que só vou dar uma olhada para ver se encontro algo que me interessa. – Adhara respondeu.
O grifinório assentiu e tencionou dizer algo a mais quando a voz de Julian soou por trás de uma das estantes, mais para o fundo da loja:
- Ei, Trowa. Vêm me dar uma mão aqui.
A moça franziu o cenho, achando aquele pedido ligeiramente estranho. O que Gauthier poderia estar procurando em uma loja com artigos tipicamente femininos?
- Julianus também está comprando presentes? – ela perguntou sem conseguir refrear a curiosidade. Achara que havia sido a única a deixar para fazer as compras em cima da hora.
- É. Namorada nova... – o moreno comentou sem parecer realmente interessado – Vou ver o que ele quer. Veja se consegue achar alguma coisa enquanto isso.
Barton prosseguiu até os fundos da loja onde Julian estava sendo atendido por uma mulher loira e sorridente.
Adhara achou melhor acatar o conselho do primo e acabar logo com aquilo. Tinha que reconhecer que ficar andando pela cidade barulhenta e movimentada não estava se provando uma experiência das mais divertidas.
Começou a avaliar as prateleiras com o olhar em busca de uma justificativa boa o bastante para faze-la embrenhar-se no meio daquelas estantes. Até que algo destacou-se entre os demais objetos. A moça não entendeu realmente porque aquilo lhe chamara a atenção, já que predominantemente nunca fizera uso daquele tipo de objeto... Mas havia algo inevitavelmente atrativo naquele porta-jóias cor-de-rosa com aforismos dourados. Era algo incrivelmente feminino e ela começou a perguntar-se se jamais tivera algo parecido com aquilo.
É claro, possuía vários porta-jóias alinhados em sua penteadeira. Mas todos eram de madeira escura, e apesar de possuírem um acabamento fino, nem de longe pareciam tão delicados quanto aquela peça de porcelana que tinha agora em mãos. Mas, tendo tantos porta-jóias, não havia realmente uma justificativa para que ela comprasse aquele objeto para si... Ainda assim, havia algo que simplesmente a impedia de colocá-lo de volta na prateleira.
- Qual é, você não pode me culpar. Eu estava só imaginando o que a deixaria com uma careta mais engraçada... Se a caixinha de música com a bailarina vestindo tutu ou o conjunto de porta-retratos em forma de coração com direito a plaquinhas “I love you”. – Gauthier aproximava-se dela, rindo enquanto falava com o amigo, que seguia logo atrás.
- E eu estou tentando imaginar presente qual faria um estrago maior quando ela o jogasse na sua cabeça. – Barton respondeu de forma sóbria.
- Ok, então. Nada de presentes para a digníssima. Foi o que eu havia combinado com ela mesmo. – concluiu Julian, agora parando na frente de Adhara e desviando a sua atenção para ela – Ah, você achou um presente. – disse ele, notando o objeto rosado nas mãos da sonserina – Ótimo, então agora vamos pagar isso e dar o fora. Esse monte de coisas para menina amontoadas no mesmo lugar está começando a me fazer passar mal do estômago...
Com isso, Gauthier pegou o porta-jóias que Adhara segurava e rumou para o caixa, não restando outra alternativa para o casal a não ser segui-lo.
Enquanto observava atentamente o objeto desaparecer por trás de uma camada de papel de presente rosa, a jovem Ivory acabou involuntariamente lembrando-se da mocinha de olhos sonhadores, amiga de Mina, a quem vira usando acessórios cor-de-rosa nas duas vezes em que a encontrara. Talvez as mãos de McGuire fossem o destino mais correto para aquela peça. Lorelai parecia ser uma menina doce e pura, ela havia sido feita para aquele tipo de coisa. Já Adhara... Ela seria sempre a moça do porta-jóias de madeira escura.
Parte II
A Fada e o Contador de Histórias
Sentada à mesa da cozinha da casa dos Johnson, Meridiana ajudava o pai a fazer a lista dos ingredientes que precisavam comprar para a ceia de Natal daquele ano, assim como para os biscoitos caseiros que a menina preparava todos os anos para os amigos. Haviam saído mais cedo, naquele dia, e comprado alguns poucos presentes, mas ainda faltava uma quantidade enorme de afazeres.
A ruivinha preferia assim. Quanto mais se mantivesse ocupada, menos ela pensaria no que aconteceu na festa de Slughorn, entre ela e Lucien.
O estridente som da campainha tomou conta da cozinha, e a menina levantou-se da cadeira, dizendo para o pai:
- Pode deixar que eu atendo.
Eram quase seis horas da tarde, mas o dia já havia cedido lugar à escuridão da noite, devido ao rigoroso inverno. A moça de olhos verdes se perguntava quem poderia estar batendo à porta dos Johnson àquela hora.
Foi com grande surpresa que ela viu a figura pequena da prima, Adhara Ivory, fazendo contraste com dois rapazes mais altos, que a ruiva imediatamente reconheceu como Trowa Barton e Julianus Gauthier.
- Dhara! – Meridiana exclamou, enquanto dava um abraço na morena – Que bom que você veio!
A garota sentiu-se um tanto embaraçada pela demonstração de afeto tão efusiva de Meri, especialmente porque conseguia ouvir o riso discreto de Gauthier atrás de si. Mas esperou até que a ruivinha resolvesse afastar-se de si. O que não demorou para acontecer.
- Venha, vamos entrar. – disse Meri, puxando a prima pela mão e fazendo sinal para que os rapazes a seguissem.
Os quatro caminharam por um pequeno corredor até chegarem a uma aconchegante sala adjunta, onde podia-se ver dois sofás grandes em tom pastel, uma mesinha de centro e uma lareira. Ao fundo, um pequeno pinheiro ainda desnudo prometia se tornar uma bela árvore de Natal
- Podem se sentar, se quiserem. – disse a jovem anfitriã – Vou chamar meu pai na cozinha.
Meridiana abriu a porta próxima, gritando:
- Pai, corre aqui. Você não imagina quem veio nos visitar!
Segundos depois, um homem sorridente surgiu pela porta da cozinha, aproximando-se dos convidados.
- Adhara. Quanto tempo. Como vão as coisas com você?
Ela sorriu de leve.
- Estou bem. Como vai o senhor? – perguntou, educada.
- Estou bem também. Vejo que hoje veio acompanhada. – Nick disse, enquanto observava os dois rapazes com o mesmo sorriso franco e acolhedor que dera para a jovem Ivory.
A sonserina assentiu, como se só então se lembrasse da desconsideração que havia sido não apresentar os rapazes aos seus parentes.
- Estes são Julian Gauthier – começou, apontando para o mais baixo e de cabelos claros – e este é Trowa Barton. – finalizou, se dirigindo ao moreno.
Ambos os rapazes menearam a cabeça ao terem seus nomes mencionados. Mas Julian acabou surpreendendo ao dar um passo a frente e estender a mão para Nick.
- É um prazer conhecer o meu futuro sogro. – declarou ele com o melhor tom cordial que poderia usar.
- Sogro? – o escritor piscou algumas vezes até pousar o olhar na filha, que muito vermelha, tinha uma expressão de genuína surpresa no rosto – Me parece que minha filha me esqueceu de contar esse detalhe quando voltou para casa.
Adhara lançou um olhar discreto a Trowa, como se perguntasse ao primo se ele tinha alguma pista do que estava acontecendo. O grifinório apenas meneou a cabeça ao encontrar o olhar dela, como se garantisse que ela não deveria se preocupar com aquilo.
- Não me admira. Sua filha parece ainda não ter notado a minha existência, apesar de eu admira-la à distância há meses na sala da Grifinória. – respondeu o rapaz, como se aquele fato aparentemente trágico não pudesse abalar suas esperanças.
Meri fitava Gauthier com a boca entreaberta, e as bochechas queimando. Aquele era o tipo de coisa que ela definitivamente não estava esperando quando viu os rapazes junto de Adhara na porta de sua casa. O que a deixava sem graça não era necessariamente o "flerte" de Julianus. Mas a surpresa do fato, e, principalmente a desenvoltura do rapaz em dizer tudo aquilo na frente do pai dela. Embora, também ela não estivesse acostumada com situações como aquela.
Entre um namoro sério e uma paixão platônica mal resolvida, Meridiana quase não se ocupava em se preocupar com uma vida intensamente romântica. Mas, conhecendo a fama de Gauthier, não apenas aquela de Don Juan de Hogwarts, talvez houvesse uma outra explicação para o rompante dele. Não que fosse ruim ser alvo do afeto do rapaz, apesar de sua lendária inconstância amorosa. Só que, a ruiva fora pega tão desprevenida com tudo aquilo que não sabia o que pensar ou como reagir.
- Você está de brincadeira, não está? – ela balbuciou, por fim.
O grifinório virou-se para ruiva com um sorriso franco nos lábios e caminhou até ela.
- Calma, sardenta, foi só uma piada. Respira fundo... – disse, dando palmadinhas no ombro de Meri – Nada para se preocupar. Você é bonitinha, mas eu já estou comprometido. Desculpa por te fazer passar “carão”. – ele terminou tentando segurar o riso ao ver as bochechas escarlates da garota.
- Er... Tudo bem... – a moça respondeu ainda sem graça, colocando uma mecha de cabelos atrás da orelha.
Nicholas veio em socorro da filha dizendo.
- É uma pena, Gauthier. Gostei de você – o escritor brincou – Mas, já que não vou ser sogro tão cedo, acho que poderíamos aproveitar a visita de vocês com um chocolate quente lá na cozinha.
Já parcialmente recomposta, Meridiana disse:
- Será que vocês se importavam de eu roubar a minha prima por uns minutinhos? Quero aproveitar a visita de vocês e já entregar o presente de Natal dela.
- Tudo bem. – Trowa respondeu por todos eles.
Meri não precisou de mais nada para pegar a morena pela mão e puxa-la em direção às escadarias.
Ao ver a moça de olhos azuis subindo os degraus de mãos dadas com a ruivinha, tentando refrear o sorriso que teimava em sair diante de um gracejo qualquer que a grifinória fizera, Barton não pôde conter o pensamento do quanto Adhara havia mudado em questão de poucos meses. Afinal, se no começo daquele ano letivo alguém lhe dissesse que no natal ele estaria namorando com Ivory, ele sem dúvidas deixaria o sujeito falando sozinho, afinal nunca tivera paciência para ficar ouvindo besteiras. Sem dúvidas havia sido uma mudança inesperada, e ele não estava bem certo sobre o que poderia ter desencadeado todo aquele processo... Talvez pequenas coisas ao longo de vários dias, fatos corriqueiros que nenhum deles sequer chegou a notar. Mas de uma coisa estava certo, aquela mudança não havia sido em nada desagradável.

**********
Meridiana se dirigiu à gaveta da escrivaninha, onde deixara o presente da prima devidamente separado, enquanto Adhara esperava, sentada na cama da ruiva.
A grifinória aproximou-se, entregando para a prima um pacote retangular, embrulhado em um papel prata, com um laço azul. Do mesmo azul dos olhos da sonserina.
- Espero que goste, quando vi, sabia que precisava dá-lo para você.
A morena desfez o pacote com cuidado e o que encontrou foi a capa de um livro com uma menininha loira que tentava abrir a fechadura de uma porta coberta de folhagens. No topo, o título dizia: “O Jardim Secreto”. Ela levantou o olhar para Meri.
- Obrigada pelo livro.
- Sempre que penso em Mary Lennox agora, lembro de você. E, bem, o que eu queria é que você tivesse um "final feliz" como o dela. – a ruiva respondeu, sorrindo.
Adhara não pôde deixar de achar as palavras da ruivinha engraçadas. Apesar de se sentir relativamente feliz nos últimos tempos, bem mais do que talvez jamais fora... Algo lhe dava a impressão de que aquele ainda não era o final. Provavelmente porque não havia um lugar para felicidade plena e despreocupada em meio à guerra. Mas principalmente porque ainda haviam coisas a se resolver, e Adhara sabia disso. Haviam coisas demais. No entanto, aquela era uma época festiva e tais pensamentos eram inapropriados.
Ela guardou o livro dentro da bolsa relativamente grande que usava naquele dia, e de lá também tirou outro embrulho quadrangular de papel vermelho com frisos dourados, estendendo-o para a prima.
- Este é o seu presente. – disse a sonserina.
Meridiana abriu o embrulho com cuidado. Aos poucos a figura de uma fada se revelou. Era uma pequena estátua de cristal, não tinha mais que quinze centímetros de altura. Cabelos longos e cacheados como os da ruiva, e asas longas que lembravam uma borboleta. Um brilho de contentamento perpassou pelos olhos verdes da menina. Aquele presente era mais significativo do que a prima talvez pudesse supor.
Meri nunca falara para Adhara sobre o patrono da mãe ou sobre a origem de seu pingente, mas, mesmo assim, a jovem Ivory tivera atenção o suficiente para notar que a grifinória nunca se separava do pingente, e deve ter deduzido a importância daquele símbolo para a ruivinha.
- Obrigada. Eu amei... – Meri respondeu, sorrindo.
A sonserina assentiu, satisfeita por ter acertado no presente, porém não manifestou seus pensamentos. Ela desviou a atenção da ruiva de volta para a sua bolsa, e de lá tirou outro embrulho menor e retangular, embrulhado em papel azul escuro e estendeu-o para a prima da mesma maneira que havia feito antes.

- Este é o presente do Sr. Nicholas. Você pode entregar para ele?
- Seria um prazer. Ele vai ficar feliz, pode ter certeza. – a ruiva respondeu, enquanto depositava o pacote em cima da cama, ao lado da pequena estátua de fada. – Bem, acho melhor irmos para a cozinha aproveitar o chocolate quente.
A morena assentiu e seguiu Meridiana para fora do aposento e pelos corredores e escadaria até a cozinha. Nick já servia o chocolate quente para Trowa e Julian e, pelo que as meninas puderam ouvir de fora, a conversa deles parecia girar em torno de tópicos como Hogwarts e magia, assuntos que afinal sempre interessaram ao escritor.
Nicholas sorriu ao ver as duas meninas paradas no batente na porta e fez sinal para que ambas se aproximassem. Adhara encontrou lugar ao lado de Trowa na bancada da cozinha e Meri foi ajudar o pai com algumas bolachas.
A ruiva aproximou-se dos convidados, estendendo o prato com as bolachas. Gauthier deu uma piscadela para a Meridiana em agradecimento. A grifinória sorriu, mas relaxada com o jeito do rapaz.
- Tem outra fornada saindo. – a voz de Nick se fez ouvir – Será que poderia me ajudar, Adhara?
A morena assentiu e levantou-se para ir auxiliar o escritor.
Nick entregou uma nova bandeja para a sonserina, enquanto dizia, em um tom relativamente mais baixo.
- Na verdade, não era a sua ajuda que eu estava querendo. Queria saber se gostou da foto que te mandei, mas achei que talvez preferisse responder em particular.
Os lábios dela se curvaram discretamente, lembrando-se de quando Meridiana lhe abordou, entusiasmada e sorridente, na entrada de uma aula de Feitiços para lhe entregar o que dizia ser um presente de Nick. Um porta-retrato que servia de suporte para uma foto de dois bebês dormindo juntos, uma ruivinha e outra morena. Meri e Adhara. Aquilo havia acontecido na manhã seguinte ao seu retorno à Hogwarts após a ligeira temporada que passara na casa dos Johnson no início de novembro.
- Eu gostei sim. Obrigada. – respondeu a jovem.
Nicholas sorriu com satisfação ante a resposta. Ele gostava da menina. Não apenas por ela ser filha de Anabelle, nem por ver o modo como a filha apreciava a amizade da prima. Havia alguma coisa em Adhara, talvez o jeito ao mesmo tempo tímido e sério, que fazia com que o escritor gostasse da garota e desejasse a felicidade dela.
- Bem, tenho algumas outras fotos daquela época guardadas aqui em casa. Tem pelo menos uma ou duas de sua mãe, grávida, no dia do batizado de Meri. E mesmo algumas do seu pai. Se te interessar, talvez, quando eu voltar dos Estados Unidos em junho, você possa vir aqui escolher algumas para você.
- Eu gostaria bastante. – disse a moça, uma expressão tranqüila nas feições geralmente imperscrutáveis. Sem dizer mais nada, ela virou-se, caminhando para a mesa com o prato de bolachas.
Nicholas cruzou os braços, observando Adhara sentar-se ao lado de Barton. O rapaz mantinha uma expressão séria, porém serena, enquanto Meridiana ria de alguma coisa que Gauthier havia dito. O escritor não conseguiu refrear um sorriso ao ver aquela cena, que lhe parecia tão certa e perfeita. Eram todos tão jovens quanto ele foi um dia. Tão cheios de sonhos e esperanças. E como o próprio Nick outrora, estavam diante de um futuro incerto graças a uma nova guerra que se descortinava. O escritor não mais se lamentava pelo que perdera, contudo, desejava que aqueles jovens tivessem um destino mais feliz que o dele. Especialmente sua Pimentinha, mas também, a jovem donzela de gelo, como a filha lhe contara certa vez como a prima era conhecida em Hogwarts, mas que naquele momento pareceu a Nick, uma menina como outra qualquer, alguém que apenas queria ser feliz.
Post em conjunto com a Meri.
Parte III
Red String
Ele ainda conseguia lembrar-se da primeira vez em que a vira...
Ela tinha seis anos, mas aparentava pelo menos dois ou três anos a menos do que realmente possuía. Uma criança pequena em demasia e excessivamente magra para aquela idade e era tão pálida que se poderia jurar que nunca havia sido exposta ao sol. Os cabelos escuros iam apenas até um palmo abaixo dos ombros, as pontas terminando em cachinhos, e um rosto que não ficaria devendo em nada ao de uma delicada boneca de porcelana. Mas apesar da inocência de suas feições e a fragilidade de seu corpo, havia um detalhe que destoava tanto do restante que facilmente arruinava todo o conjunto. Os olhos dela. Azuis e tão escuros quanto as profundezas de um mar jamais explorado, e cuja pressão em seu interior era forte demais e esmigalharia quem quer que tentasse alcançar o fundo. Olhos que exalavam frieza a todo o tempo. Não importava o que fosse dito, não importava o que fosse feito, aqueles olhos permaneciam tão frios e impenetráveis como a mais forte das armaduras. Não eram olhos que uma criança deveria possuir.
Haviam lhe contato que sua tia tivera dias difíceis tentando tirar a menina da tutela do pai dela. O auror não estava disposto a deixar a filha sair de casa para visitar os parentes maternos. O motivo, ele não sabia e também achava que não lhe dizia respeito. Mas quando afinal conheceu a famosa garota, a “pequena Katrine”, como sua tia Mira a chamava, ele pensara que definitivamente os adultos teriam feito melhor se a tivessem deixado em paz, escondida sob a proteção do pai dela. Ela não estava feliz por conhecer nenhum deles, não queria manter conversas com ninguém, era indiferente a todos os agrados que lhe faziam e passava o tempo todo trancada no quarto ou em qualquer outro lugar em que pudesse evitar companhia.
Ele não havia trocado sequer uma palavra com a prima durante a semana em que passara na casa de tia Mira naquele verão. Lembrava-se de já ter despedido-se de todos e estar guardando os últimos pertences na mala (o carro já estava esperando, pronto para levar ele e Quatre embora) e quando virara-se para pegar um livro que estava sobre a escrivaninha do quarto, lá estava ela. A garota havia esgueirado-se para dentro do aposento tão silenciosa quanto um fantasma e ele se via agora alvo daqueles olhos frios.
Mas, ao encará-la mais de perto, ele notou que o azul meia-noite não era tão inexpressivo quanto havia pensado. Estivera certo ao concluir que os olhos dela eram como o mar. E exatamente igual ao mar que esconde turbilhões de fúria implacável por baixo de uma superfície plácida e tranqüila, assim eram os olhos daquela garota. Ela definitivamente estava viva por baixo da camada de gelo que a rodeava. Tão viva que chegava até a assustá-lo. Talvez fosse sábio que todos eles temessem pelo dia em que aquela menina fosse machucada o suficiente para libertar a tempestade que estava espreita sob a fortaleza gelada, acumulando forças a cada dia que passava...
“Você está indo embora?” ela perguntara com uma voz tão suave e infantil que o surpreendeu. O garoto esperara que ela soasse bem mais adulta do que aquilo.
Ele apenas assentiu em silêncio e a menina estendeu-lhe uma folha de papel que segurava. Curioso, ele aceitou-a. Era um desenho. Mas não qualquer tipo de desenho. Aquilo não se parecia em nada com as ilustrações desajeitadas que uma criança faria apenas pela alegria de brincar com as cores no papel. De fato, não havia cor nenhuma além do cinza tingindo aquela folha. E o conteúdo da mesma era uma cópia perfeita em grafite do grande carvalho que erguia-se imponente nos jardins dos fundos da residência de seus tios.
“Você parece passar muito tempo subindo nessa árvore estranha.”
Quando ele levantou seus olhos do desenho, a menina já havia desaparecido porta afora, deixando um rastro de aroma de erva-doce e algo cítrico dançando no ar veranil. Talvez fora naquela tarde que ele se apaixonara por Adhara Ivory...
Trowa piscou ao sentir dedos magros acariciando seu ombro. Perfume de laranja misturado com erva-doce e um toque leve como o farfalhar de penas. Levantou o rosto, desviando o olhar da lareira que crepitava para o rosto de boneca da prima.
Adhara circundou a poltrona de couro em que o rapaz estava sentado, oferecendo a ele uma xícara grande de café preto e fumegante antes de ocupar a outra poltrona que fazia par a de Trowa na frente da lareira da sala de estar do casarão da família Barton na Cornualha. Ela entortou o rosto de leve ao encontrar o semblante do moreno.
- No que estava pensando? – questionou a sonserina.
O rapaz esboçou um sorriso diante daquela pergunta.
- Só lembrando de algumas coisas...
Ele sorveu um gole da bebida, ainda sob o olhar inquisitório da namorada.
- Coisas boas?
O jovem assentiu com um movimento de cabeça e Adhara recostou-se melhor em sua poltrona, contente com o pequeno pedaço de informação. Um silêncio confortável instaurou-se entre eles, pontuado apenas pelos ruídos do fogo que consumia a lenha na lareira, os goles que Trowa tomava do café e as vozes longínquas de Heike e Natassia Barton que conversavam com seus convidados. Alguns políticos da Bulgária haviam comparecido para a ceia de natal. A surpresa fora geral quando Adhara cumprimentara aos dois senhores corpulentos em um búlgaro fluente e quase sem sotaque, Heike até mesmo dissera que poderia usar a ajuda dela como intérprete de vez em quando. Parecia que o fato de ter aprendido oito idiomas poderia ser útil às vezes.
Alguns minutos se passaram antes que o grifinório estendesse a mão direita por cima do braço de sua poltrona até que a mesma encontrasse a mão esquerda de Adhara. Ela tinha um semblante terno quando virou-se para ele, permitindo que os seus dedos se entrelaçassem.
- Você não me disse o que achou do meu presente de natal. – disse o rapaz, levantando a mão dela o suficiente para que o pequeno anel de prata incrustado com uma pedra de rubi que agora adornava o mindinho esquerdo da moça ficasse em seu campo de visão. Invisível naquele momento, no mindinho esquerdo do grifinório também havia um anel parecido com aquele e ostentando a mesma pedra vermelha, porém em um modelo mais masculino.
Ela franziu o cenho.
- Eu não entendi porque tinha que ser vermelho. – Adhara replicou, referindo-se à coloração da pedra.
- É o “Red String”*, lógico que tinha que ser vermelho. – foi a resposta dele.
- Mas ainda não vai combinar com o meu uniforme...
Barton girou os olhos inconscientemente. Ele estava realmente tendo conversas sobre a moda de Hogwarts com a sua prima?
- Bom, então vá reclamar com quem inventou a história. – concluiu o rapaz, afundando em sua poltrona e levando a xícara de volta aos lábios.
Adhara desistiu da vã tentativa de evitar um sorriso.
- Tudo bem, eu só estou fazendo doce. A propósito... – Trowa virou-se na poltrona, voltando a encará-la – Obrigada pelo anel.
Ele correspondeu ao sorriso dela e abaixou a xícara para que pudesse se aproximar do rosto da moça e provar dos lábios dela. Mas o contato foi breve, pois Adhara logo afastou-se, embora ainda o mantivesse próximo segurando a face dele entre as suas mãos pequeninas.
- Ei, você se lembra do que disse lá na estação, sobre estar feliz por me ter neste natal?
Trowa assentiu, seu rosto sendo acariciada pelas palmas das mãos da moça conforme ele o mexia. O grifinório mantia seus olhos fixos nos dela enquanto tentava compreender onde Adhara estava tentando chegar.
- Então, já passa da meia-noite... Oficialmente, já é natal. – ela abaixou a voz até que estivesse praticamente sussurrando, como se temesse que alguém além do namorado pudesse ouvir a próxima parte – O que você está esperando?
O rapaz permaneceu inexpressivo diante da fala dela. Ao contrário do que se poderia esperar, não havia surpresa alguma escondida nos olhos dele. Primeiro porque tinha que confessar que, em parte, estivera sim insinuando aquele tipo de coisa quando dissera aquilo para Adhara, e segundo porque já percebera que a prima não era o tipo de garota que hesitava e postergava. A jovem Ivory sempre ia direto ao ponto em qualquer coisa que quisesse lhe dizer.
Era a coisa certa a se fazer, no final das contas. Naturalmente, aquele era o próximo passo a se tomar se quisessem levar o relacionamento adiante, e Trowa estava satisfeito em notar que Adhara sentia-se segura o bastante com ele para aceitar com tranqüilidade aquela situação.
Barton alcançou os lábios dela novamente, antes de levantar-se de sua poltrona e puxar a moça pela mão, guiando-a para fora da sala de estar. A xícara de café ficando esquecida diante da lareira...
* Red string: crença de que as pessoas estão ligadas por um “laço vermelho” pelo destino.
Parte IV
Motherland
- A carruagem já está à espera, Adhara.
Através do espelho da penteadeira diante da qual estava sentada, a morena viu o reflexo de Natassia Barton parada à porta do quarto. A mulher usava um vestido longo e alvo, um xale de lã creme ao redor de seus ombros magros para protegê-la do frio, e a cascata de cabelos loiros emoldurando o rosto ainda jovem. Natassia parecia a pura encarnação de uma gravura angelical, dona de uma beleza delicada e pueril que parecia nunca curvar-se diante do implacável tempo. Quatre havia claramente puxado às feições da mãe, enquanto que Trowa saíra à imagem do pai.
- Obrigada, eu já estou descendo. – a sonserina agradeceu de forma polida, e voltou a atenção à tarefa que interrompera com a chegada da mãe de Trowa. Seus dedos magros seguravam três mechas distintas de seu cabelo anelado, tentando ornamenta-los com uma trança.
- Permita-me ajuda-la com isso, querida. – disse Natassia, solícita, adentrando o quarto e logo postando-se atrás de Adhara diante do espelho.
A sonserina permitiu sem relutar que a jovem senhora tomasse para si a responsabilidade de fazer o penteado, reconhecendo que, enfim, nunca fora muito boa naquele tipo de coisa. Não à toa os fios cinzentos, na maioria das vezes, encontravam-se soltos.
Com o silêncio a lhes fazer companhia, os dedos de Natassia escorregavam pelos cabelos da garota. Os movimentos eram suaves, fluidos e cuidadosos. Na verdade, Adhara já reparara havia um certo tempo que tudo ao redor de Natassia Barton parecia emanar essa aura de extrema delicadeza e ternura. Ao perceber o olhar avaliativo da menina sobre si através do espelho, ela sorriu, fazendo com que os olhos azuis-esverdeados brilhassem.
- Já lhe disse o quanto estou grata por ter se juntado a nós neste natal, Adhara? Fazia alguns anos que não conseguíamos reunir toda a família...
Adhara sorriu de leve, sabia que a tia estava sendo sincera. Ainda que não partilhasse com ela de muita cumplicidade, era fácil dizer que Natassia sentia-se verdadeiramente feliz em ter a família diante de seus olhos, e tais ocasiões costumavam ser raras entre os Barton, com Heike sendo um homem tão ocupado, Trowa ainda cursando Hogwarts e Quatre que passara anos estudando no exterior, e estando agora a serviço do ministério.
- Também sou grata por terem me recebido. Lamento não ficarmos para a passagem de ano. – respondeu a morena.
Natassia meneou a cabeça, ainda com um sorriso nos lábios, demonstrando que não sentia-se em nada ofendida ou entristecida com aquele fato.
- Ora, deixe disso. É aniversário de Julian afinal, e compreendo que ele queira ter todos os amigos reunidos para celebrar, e não poderia manter Trowa aqui quando vocês estão indo para a Escócia. – ela deu uma pausa para apanhar o elástico preto que Adhara lhe estendia, e assim finalizar a trança – A propósito, por favor, transmita meus cumprimentos à Mathieu e à jovem Suzannah quando chegarem em Donan.
A jovem Ivory assentiu, levantando-se da penteadeira e agradecendo à Natassia pelo auxílio. Então dirigiu-se até a cama, a fim de apanhar a pequena valise de roupas, e virou-se novamente para despedir-se. Tencionava estender a mão para cumprimentar a senhora Barton e agradecer novamente pela hospitalidade quando foi surpreendida pelos braços de Natassia circundando-a.
Não era a primeira vez que se encontrava naquela situação, vendo-se subitamente desconcertada diante do afeto de alguém. Meridiana também havia adquirido este hábito engraçado de recebê-la e despedir-se dela com abraços, no entanto, havia algo diferente no gesto da tia. Havia algo diferente no modo como Natassia aninhava-a contra o seu próprio corpo, havia uma ternura diferente... Um sentimento que Adhara não conseguia identificar por completo, mas que ela tinha uma certa impressão de já ter conhecido antes. Em algum ponto perdido, vagando entre um mar de memórias e sensações, havia algo parecido com aquilo.
Talvez aquilo fosse a única lembrança que, inconscientemente, havia retido sobre Anabelle? O máximo que recordava-se de carinho materno? Certamente, sua mãe deveria tê-la amado...
Mas por que Natassia a trataria com aquele tipo de carinho?
E então, inadvertidamente, ela lembrou-se do que Quatre havia lhe contado da última vez, naquele mesmo quarto em que estavam agora. Sobre Madison, a pequena filha que Natassia mal tivera oportunidade de amar. Essa memória fez com que se separasse da tia, recuando alguns passos para encará-la inexpressivamente. Se era Madison que Natassia estava buscando, ela não poderia ajudá-la.

- Mrs. Barton, talvez eu esteja errada em minhas conclusões e se tal for o caso, peço que me desculpe por estar tocando neste assunto. Mas não quero que me veja como uma substituta para sua falecida filha. Já tive o bastante disso com a minha avó. – apesar do conteúdo de suas palavras e por estar tocando em um assunto que lhe era tão incômodo quanto poderia ser para a tia, a face de Adhara mantinha-se plácida e a voz tão serena quanto a sua expressão.
Ela assistiu aos olhos de Natassia arregalarem-se e uma profunda melancolia espalhar-se nas feições delicadas da jovem senhora. Ao ver-se agora frente a frente com a dor escondida por tanto tempo dentro da mãe de Trowa, Adhara quase poderia ter se arrependido de ter tocado naquele assunto.
Mas então, segundos depois, outra coisa surpreendeu a morena. Natassia meneava a cabeça em silêncio, os olhos agora fechados e as mãos juntas sobre o próprio peito. E quando ela reabriu os olhos, apesar de ser inegável o abatimento que ainda se fazia presente naquelas íris tão claras, a mulher parecia agora incrivelmente calma e centrada.
- Isso é um equívoco, Adhara. – começou Natassia, o tom ainda minimamente tremido, mas parecendo cada vez mais seguro conforme as palavras multiplicavam-se – Não nego que seja verdade que eu lhe vejo como uma filha, e que isso se realmente deve a um dos meus filhos. Mas não é por causa da pequena Madison... É por causa do Trowa.
O rosto da sonserina não a traiu, no entanto um olhar mais perspicaz, e que soubesse onde procurar, teria encontrado um pequeno resquício de surpresa nas mãos da garota, que apertavam com força as alças da valise que segurava. E era justamente nelas que os olhos de Natassia haviam pousado, mais precisamente no rubi que se destacava no mindinho esquerdo de Adhara.
- Está claro que o meu filho escolheu você. – disse a mulher, a atenção fixa no anel que, ela sabia, não poderia significar outra coisa além de uma promessa, visto que também havia um parecido no dedo de Trowa – Eu conheço o rapaz que criei e sei que ele jamais consideraria como algo leviano o que existe entre vocês dois... – Natassia finalmente ergueu seu olhar, encarando o azul meia-noite dos olhos de Adhara – Por essa razão, tanto eu, quanto Heike e Quatre, estamos felizes por recebê-la mais uma vez nesta família. Não como filha de Anabelle e neta de Mira, e nem como uma substituta para Madison. Mas como a futura esposa de Trowa.
Adhara não respondeu, as mãos continuavam apertando com tanta força a alça de couro da valise que os nós de seus dedos já estavam ficando brancos. Ela mal conseguia acreditar no quão rápido tudo estava acontecendo... E agora havia acabado de descobrir que os Barton pareciam acreditar que ela e Trowa estavam noivos. E a parte mais assustadora disso tudo é que... Não se sentia assustada.
Sabia que provavelmente deveria agir com mais prudência, que deveria manter a situação sob controle para evitar futuros... Imprevistos. Mas não conseguia realmente dar ouvidos aos próprios conselhos. Estava feliz. E. pela primeira vez desde que conseguia se lembrar, esta felicidade não dependia dele. Não dependia de seu pai. Sorriu quase que imperceptivelmente diante de tal pensamento, e seus dedos relaxaram instintivamente ao redor das alças da valise.
- Obrigada, Mrs. Barton. – a moça por fim agradeceu, fazendo uma ligeira mesura.
Não importava que fosse apenas uma espectadora diante de uma janela de vidro, assistindo à própria vida passar tão rápido sem que pudesse tomar as rédeas dos acontecimentos, porque, daquela vez, haveria alguém ao seu lado caso tudo desse errado no final e fosse necessário recomeçar do zero. Haveria alguém para ajudá-la a reconstruir tudo novamente e, talvez, o resultado final do que construíra com ele se provasse muito melhor do que qualquer coisa de pudesse ter conquistado sem ele.

Adhara virou-se para deixar o quarto, o coração parecendo pesar ainda menos do que quando chegara naquela casa... Em mais aspectos do que jamais poderia explicar. 

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