Prefácio
Outra manhã entediante havia terminado para Adhara Ivory. Sim,
extremamente entediante... O começo do dia arrastara-se de modo monotonamente
torturante na opinião da sonserina de cabelos cinzentos. Mas, afinal, pensava
Adhara consigo, o que se podia esperar de uma manhã que iniciara-se com
Aritmância e terminava com Trato de Criaturas Mágicas?
Agora que ela não contava mais com a companhia de Juliet Thompson, que
recentemente mudara-se para a França, a sonserina voltava sozinha para o castelo.
Andava a passadas rápidas e com o rosto erguido, altivo, seguindo à frente do
cortejo de alunos, podendo até mesmo ser confundida com uma pequena rainha,
acompanhada por seu séquito de súditos, tamanho era o modo como a garota se
destacava pelo seu porte nobre no meio da multidão. Ainda que ela não
percebesse e muito menos desejasse isso. Apressada, acabou por logo deixar
todos os colegas para trás.
- Adhara!
A garota já havia pisado no primeiro degrau de pedra do castelo quando
parou, alguém havia chamado seu nome. Ela virou-se para ver de quem tratava-se
e encontrou uma ruivinha parada atrás de si com a respiração arfando. Meridiana
Johnson parecia ter corrido para alcança-la até ali.
- O que foi? – Adhara perguntou.
Meri respirou fundo uma última vez para recobrar o ar e sorriu
polidamente para a prima.
- Bom dia. Me desculpe por chamá-la assim de repente, mas é que eu
precisava dar uma palavrinha com você.
Adhara cruzou os braços, na verdade gostaria de ir almoçar qualquer
coisa e terminar descansar um pouco antes da aula de Transfiguração no primeiro
horário da tarde.
- Precisa ser agora?
- Bem... De preferência sim. Como a única aula em conjunto que teremos
hoje é T.D.C.M. e provavelmente eu não te verei mais até o final da semana,
esta me pareceu a melhor oportunidade. – falou a grifinória tentando demonstrar
uma segurança que efetivamenete não possuia naquele momento. Sua relação com a
recém descoberta prima ainda era um pouco delicada e temia ser mal-interpretada
por Adhara...
E pelo olhar nada interessado que a sonserina lhe lançava, Meridiana já
estava preparada para receber uma negativa. Ficou realmente surpresa quando a
outra garota assentiu com um breve aceno de cabeça.
Adhara olhou por cima do ombro da grifinória para os demais quintanistas
que já se aproximavam delas, não lhe parecia apropriado conversar na frente de
outras pessoas, afinal não sabia qual era o assunto Meridiana gostaria de
tratar.
- Venha comigo. – Adhara disse, já subindo os degraus e abrindo a porta
de carvalho do castelo.
Meri apressou-se para seguir a prima quando ela atravessou o salão de
entrada e precipitou-se para a porta que dava acesso ao corredor da cozinha. A
sonserina só parou de andar quando já estavam quase em frente ao enorme quadro
de fruteira que guardava a entrada para o recinto onde os elfos domésticos da
escola trabalhavam, e então virou-se para encarar a grifinória.
- Pode dizer.
Meri deu um suspiro quase imperceptível enquanto retirava a mochila do
ombro. Começou a mexer no conteúdo que havia lá, passado algum tempo puxou de
dentro de um dos livros uma carta estelar já meio amassada que estendeu para
Adhara.
- Você poderia dar uma olhadinha nisso aqui?
A sonserina lançou um olhar desentendido para a folha e então apanhou-a.
Reconheceu aquilo como sendo o dever de Astronomia que haviam feito na semana
passada, e a nota que Meridiana havia recebido era...
- Um "P"? – Adhara ergueu os olhos da folha para o rosto da
menina a sua frente.
A ruiva pareceu um pouco encabulada diante do olhar incrédulo de sua
prima.
- Eu nunca fui muito boa em Astronomia, sempre passei com a média nessa
matéria.
Adhara assentiu, devolvendo a carta estelar da garota. Meridiana tinha
fama de boa aluna, do tipo que se dava bem em todas as matérias, era
interessante descobrir que aquilo não era de todo verdade.
- E para que você me mostrou isso?
- Hum... – começou Meri, tentando encontrar as palavras certas para
iniciar o pedido que estava prestes a fazer – É que... bem... é que eu falei
com a Professora Sinistra sobre a minha nota e pode ser que, com o nível de
conhecimentos que tenho agora, eu não consiga um resultado muito bom no N.O.M.
de Astronomia.
Adhara segurou-se para não dizer que aquilo era óbvio. Seria indelicado
demais de sua parte.
- A professora disse que talvez seria o caso de eu ter uma tutora... E o
seu nome acabou surgindo na conversa. Eu sei que você tirou um "O"
nesse mesmo dever.
A sonserina cruzou os braços, encarando a outra garota com um certo
interesse, finalmente entendeu onde Meridiana estava querendo chegar.
- E você está sugerindo que eu seja a sua tutora?
- Bem, se não houver problemas para você. Se não for te atrapalhar nos
seus estudos... Eu gostaria sim.
Adhara sorriu de lado, não precisava ser muito esperta para notar que
Meridiana não estava lhe pedindo aquilo apenas por causa de seu
"Ótimo" no dever de Astronomia. Ou muito estava enganada, ou o fator
de terem um sangue e sobrenome em comum havia influenciado na decisão da
grifinória. Meri estava tentando uma discreta aproximação.
Ela cerrou os olhos na face um tanto nervosa de sua recém descoberta
prima. A ruiva sempre havia sido gentil com ela, uma das poucas integrantes da
Casa dos Leões que ela sabia não ser do tipo de tomar parte em pequenos boatos
e apelidos maldosos que vez ou outra lhe atribuíam. Talvez, não fosse de todo
ruim dar uma chance para Meridiana... Afinal o seu próprio pai, Kamus, havia
lhe aconselhado a fazer isso quando descobriu sobre o seu parentesco com a
ruiva. E Adhara sempre ouvia o que Kamus lhe dizia.
- Está bem. Depois eu lhe mandarei uma coruja para combinar alguma
coisa.
Adhara não esperou pela resposta da grifinória e passou direto por
Meridiana, seguindo sem olhar para trás pelo corredor que a levaria até o Salão
Principal. Já a ruivinha deixou escapar um radiante sorriso em seu rosto. Tinha
sido muito mais fácil do que ela supunha... E agora ela não tinha apenas a
possibilidade de conseguir a nota necessária em Astronomia para aproxima-la de
seu sonho de se tornar auror após sair de Hogwarts, como também ganhara a
chance de se aproximar, ainda que muito pouco, daquela sua prima sonserina que
tanto lhe intrigava.
Primeira Aula
Meridiana vinha correndo pelos corredores do castelo, mochila bem segura
em um dos ombros. Torcia para que não esbarrasse em Filch, Madame Nor-ra ou
muito menos em um dos intragáveis membros da Brigada Inquisitorial pelo
caminho. Mas dada a hora, era bem provável que todos já estivessem no Salão
Principal se preparando para jantar.
Aquele também seria o local em que Meri estaria em um dia normal. Mas
não hoje. Hoje era um dia diferente, especial. Era a primeira aula de
Astronomia que teria com sua prima Adhara Ivory. Para a surpresa e o
contentamento da ruivinha, a sonserina de cabelos cinzentos concordara em
ajuda-la.
Quando Valkíria, a grande coruja branca de Adhara, trouxe para Meridiana
um pergaminho confirmando que a Profa. Sinistra permitira a elas o uso da Torre
de Astronomia para as aulas de reforço e que poderiam começar naquela mesma
noite, a jovem bruxa da casa dos leões mal pôde conter o misto de alegria e
ansiedade que lhe rebentara no peito.
Era exatamente por isso que corria, ligeira, pelos corredores. Adhara
sugeriu que começassem o mais cedo possível naquela noite, para que Meridiana
pudesse apreender o máximo dentro do curto tempo que dispunham. Afinal, faltava
apenas pouco mais de um mês para as N.O.M.’s.
E Meri queria que tudo, absolutamente tudo fosse perfeito. Não eram
apenas as aulas, mas também a oportunidade de, finalmente, aproximar-se da
prima que estavam em jogo ali. Não queria se atrasar.
Subiu as escadas que levam ao observatório astronômico da escola,
pulando os degraus de dois em dois. A Torre estava vazia. A grifinória
suspirou, aliviada, largando a mochila no chão. Ainda um pouco esbaforida e sem
fôlego, consegui acender os archotes que circundavam o recinto. E, então,
esperou.
Poucos minutos depois, Adhara Ivory chegou. Trazia sua mochila nos
ombros, e, com um feitiço simples de levitação conduzia duas caixas de madeira
sobrepostas uma sobre a outra.
- Boa noite – cumprimentou a sonserina com seu costumeiro ar formal e
distante.
- Boa noite – respondeu a grifinória, em meio a um sorriso.
Adhara postou as caixas por sobre a mesa, colocando-as lado a lado.
Abriu a tampa da primeira. Meridiana percebeu que havia alguns sanduíches e
bolachas no seu interior, assim como duas pequenas canecas e uma garrafa
térmica.
- Como não fomos jantar, trouxe um pouco de comida e suco de abóbora
para nós. Assim poderemos estudar tranqüilamente até mais tarde.
Meridiana apenas assentiu. Pelo tom polido da Adhara, Meri notou que
fora apenas a praticidade e nada mais que motivara à prima a trazer aquele
lanche para elas. Mas, mesmo assim, já era alguma coisa.
- Bem – começou a sonserina, empertigando-se ainda mais que o usual para
adquirir o ar professoral que aquele encontro pedia. – imaginei, pelo que você
comentou sobre suas dificuldades, que o ideal seria iniciarmos nossas aulas com
o básico e avançar conforme o seu ritmo.
Com um aceno firme e preciso de varinha, Adhara destrancou a segunda caixa.
- Levitare! – exclamou.
Logo após o comando da sonserina, pequenas esferas de tamanhos diversos
começaram a flutuar, girando ao redor de uma esfera maior que brilhava
intensamente. Era uma pequena réplica perfeita do Sistema Solar.
- É maravilhosa! – Meridiana deixou escapar.
- Ganhei de presente de meu pai há uns anos atrás. – Adhara falou
simplesmente.
Meri debruçou-se sobre a mochila, apanhando um rolo de pergaminho e uma
pena de repetição. Não queria perder nenhuma palavra da explanação da prima.
- O Sistema Solar. – começou a morena – É o sol e todos os objetos que
se deslocam ao redor dele. Isso inclui a Terra, e os demais planetas e seus
satélites, os asteróides cuja composição são semelhantes a dos planetas, os
meteoróides compostos basicamente de ferro e rocha, os cometas, poeira
interplanetária e um gás flutuante chamado plasma interplanetário. Os planetas
mais próximos do Sol são chamados planetas telúricos e são Mercúrio, Vênus,
Terra e Marte. São constituídos basicamente de ferro e rocha. Os demais
planetas são chamados de grandes planetas e sua composição é basicamente
gasosa...
- Adhara – Meri levantou a mão, encabulada – desculpe interromper,
mas... Bem, é que tem um coisa meio boba que sempre confundo. E, sei lá, vai
que cai no N.O.M. E, bem, eu não queria arriscar...
- Pode falar
A ruivinha suspirou.
- Eu não sei a ordem dos planetas... Sempre confundo depois de Marte...
A morena quase teve vontade de rir da prima. Aquilo era realmente uma
coisa muito básica. A grifinória não estava brincando quando dizia que era
péssima em astronomia. Mas Adhara refreou-se e não riu, não seria educado fazer
isso, então limitou-se a dizer:
- Isso é muito fácil. Tem um truque para guardar a ordem dos planetas.
Um pequena frase. Minha velha, traga meu jantar: sopa, uva, nozes e pão. Está
vendo? Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão.
Aprendi isso com uma das minhas tutoras quando tinha cinco anos.
- Tutoras? – Meri ergueu a sobrancelha curiosa.
- Sim, tutoras. Antes de vir para Hogwarts tive aulas em casa.
- Sério? Eu nunca imaginei que você tinha estudado alguma coisa antes de
entrar para Hogwarts.
- Não é assim com os trouxas? – perguntou Adhara.
- Bem... É sim. Quer dizer, nós estudamos em escolas primárias quando
crianças. Você sabe, aprendendo a ler, escrever, coisas como matemática,
ciências, história... E meu pai ainda me ensinava literatura em casa,
Shakespeare, Tolkien, Dickens, o casal Browning, o casal Shelley, Jane
Austin... Ah, e também me ensinava a cozinhar.
- Você cozinha?
- Sim. Você não?
- Não, temos muitos elfos domésticos em casa. Não há necessidade de
aprender a cozinhar. Mas, me diga, Meridiana, você, por um acaso achava que as
crianças bruxas ficavam em casa sem fazer nada antes de entrar em Hogwarts?
- Na verdade, eu nunca parei para pensar nisso. Que bobeira, a minha,
não é? E você, estudava o quê?
- Magia básica. O Ministério permite o ensino de Magia fora de Hogwarts
desde que se peça uma autorização ou um tutor cadastrado seja encarregado. E
estudava também Astronomia, Latim, Etiqueta, Esgrima, Duelos...
- Então está explicado! Por isso você é tão boa com o manejo da varinha.
Uma das melhores que eu já vi. Deu para perceber pelo modo como você reagiu
quando eu te abordei no dia que mostrei a foto de nossos pais. E também pela
sua postura e desempenho no clube de duelos no segundo ano.
Adhara desviou os olhos após esse franco elogio de Meridiana. Não que
ela se sentisse encabulada pela fala da prima, era um pouco mais pela surpresa
que sentia em perceber que conversar com a grifinória era muito mais fácil do
que ela julgara.
- É melhor voltarmos à matéria, temos ainda muito o que ver. Como eu ia
dizendo, o Sistema Solar é composto por nove planetas e o sol é o seu centro. A
massa do sol é superior a 750 vezes a massa de todos os planetas reunidos...
Ainda assim, o sol é apenas uma estrela de porte médio. Os outros tipos de
estrela são as anãs, as gigantes e super-gigantes...
Enquanto Adhara prosseguia em suas explicações, Meri observava atentamente
a prima. As coisas estavam saindo muito melhor do que ela pensara. E tinha que
admitir, Meridiana realmente estava começando a gostar daquela sua prima
sonserina.
Segunda Aula
A lua brilhava palidamente e um céu que assemelhava-se a um grande pedaço
de veludo negro descortinando-se sobre o castelo de Hogwarts. No topo da mais
alta das torres, dedicada às aulas de Astronomia, Adhara Ivory estava curvada
sobre o seu telescópio de latão. Apenas conferia a posição dos astros naquela
noite, alterando, se necessário, algum dado na última carta estelar que fizera.
A porta do recinto foi aberta, dando passagem para uma garota de cabelos
rubros e brilhantes olhos verdes. Adhara deixou de lado suas anotações para dar
atenção à recém-chegada.
- Boa noite, Adhara. Tenho algo para lhe mostrar. – disse Meri,
parecendo entusiasmada, e apressando-se para procurar algo dentro da mochila.
Por fim a grifinória entregou à prima uma folha de pergaminho. – Eu pedi para a
professora Sinistra me passar alguns exercícios de reforço, e ela entregou a
minha nota hoje de manhã.
Adhara examinou a folha, e logo entendeu o motivo da empolgação de
Meridiana. A ruiva recebera um “Aceitável”, comparada à última nota da garota
em astronomia, um “P”, aquele já era um grande avanço.
- Acho que você já está um tanto melhor. – a sonserina comentou,
devolvendo o dever de Meridiana e recebendo em troca um sorriso da prima.
Meri tomou lugar em uma mesa, ajeitou seus pergaminhos e a pena de
repetição rápida, disposta a iniciar logo os estudos daquela noite. O ligeiro
aumento de nota fez com que a grifinória percebesse o quanto as aulas com
Adhara estavam dando resultado. Na verdade, tudo o que a prima lhe dizia
parecia ser muito mais fácil de compreender do que as palavras da Profa. Sinistra.
Não era o caso da mestra de Astronomia de Hogwarts ser uma má professora, pelo
contrário, era apenas que a linguagem que Adhara adotava para explicar os
complicados movimentos que os astros executavam no céu era algo mais comum à
Meri. De repente, Astronomia deixou de ser aquele bicho de sete cabeças que
sempre amedrontara tanto a ruivinha.
- Iremos dar continuidade ao estudo dos satélites?
- Sim. Hoje iremos ver as principais luas de Urano.
Adhara abriu a caixa de madeira que continha a sua pequena réplica do
Sistema Solar, e, com algumas palavras murmuradas em latim e um pequeno aceno
de sua varinha, fez com que uma esfera de tamanho médio e cor azul acinzentada
flutuasse, sendo circundada por mais quatro pequenas esferas, que giravam em
volta da maior, descrevendo órbitas distintas.
- Este é Urano, e seus quatro satélites principais. É provável que sejam
compostos de rocha e de gelo em proporções quase iguais e estejam sobre o
efeito de maré de Urano. Todos têm período de rotação sincronizado com o
período de revolução, deste modo sempre mostram a mesma face para o planeta,
órbitas circulares, não possuem atmosfera e são de cor cinzenta neutra. – a
sonserina fez uma pequena pausa, para dar tempo à pena de Meridiana anotar
todas as suas palavras antes de continuar. – O maior dos satélites de Urano
chama-se Titânia, com 1.580 quilômetros de diâmetro e...
- Desculpe, - Meri interrompeu Adhara no meio de sua explicação – Mas
você poderia repetir o nome do satélite?
A sonserina encarou sua prima com a testa franzida, tinha certeza de que
dissera o nome da lua muito claramente, e nem tratava-se de uma palavra muito
difícil de compreender ou cuja pronúncia fosse complicada.
- É Titânia, Meridiana, e eu não gosto de ficar me repetindo.
- Perdão, Adhara, mas eu só queria confirmar. – Meri desculpou-se um
tanto encabulada – É que eu já havia ouvido esse nome antes, mas em nada que se
relacionasse a astronomia. Titânia é personagem de uma das minhas peças
favoritas de Shakespeare, Sonhos de Uma Noite de Verão. Na verdade, eu até
interpretei o papel dela na remontagem dessa mesma peça que Miss Rennard
coordenou com o grupo de teatro de Hogwarts. Adhara assentiu.
- Eu ouvi falar disso. Parece que Umbrigde quase teve um colapso quando
soube que exibiriam um peça trouxa na escola, soube que ela quis até cancelar a
apresentação.
- Querer ela bem que quis, mas não conseguiu. Dumbledore deu permissão
para apresentarmos Sonhos de uma Noite de Verão e eu tive a satisfação de
desempenhar o papel da rainha das fadas bem na cara da nossa atual diretora. –
Meri sorriu, triunfante.
A garota de cabelos cinzentos permitiu que um leve sorriso perpassasse
momentaneamente seus lábios antes de seguir com a explicação.
- Continuando, Titânia está localizada a cerca de 435.910 quilômetros de
Urano, sendo o 14º satélite em ordem de distância e gasta 8 dias e 17 horas
para completar a sua órbita. A superfície reflete 28% da luz solar, indicando
que há uma boa quantidade de gelo. Todas estas características parecem
evidências de atividades tectônicas.
Adhara recolheu na caixa de madeira a pequena esfera que representava
Titânia, indicando que havia concluído suas explicações sobre aquela lua.
- Agora veremos os demais satélites. Oberon, Miranda, Ariel e Umbriel,
lembrando que todos eles possuem uma massa inferior à de Titânia.
Meridiana não se conteve, soltando uma pequena gargalhada.
- Você está brincando, não é? Oberon, Miranda, Ariel e Umbriel?
- O que tem esses nomes? – perguntou a sonserina com uma quase
imperceptível pontada de irritação em sua vez, devido a interrupção.
Sem perceber o leve aborrecimento da prima, a ruiva começou a falar de
modo apaixonado.
- É que todos esses nomes são de personagens de obras de importantes
escritores ingleses. Oberon é o senhor das fadas, consorte de Titânia... Era
óbvio que ele não poderia estar de fora, já que ele não desgruda de Titânia de
modo algum... – riu a ruivinha. – Ariel e Miranda são de outra deliciosa peça
de Shakespeare, A Tempestade. Nós até pensamos em encena-la na escola ao invés
de Sonhos. Mas Miss Rennard achou que criaria muita polêmica, porque no final o
protagonista, um mago chamado Próspero, abandona a vida de feiticeiro,
quebrando seu cajado e enterrando seus livros... E Umbriel? É o nome de uma das
personagens da história O Roubo da Madeixa de Cabelo, de Alexander Pope! Isso é
simplesmente sensacional!
- O que é sensacional? – perguntou Adhara ainda sem compreender a razão
de tanto entusiasmo vindo de sua prima.
- Essa relação entre astronomia e literatura inglesa. Me faz até admirar
o pessoal que batizou essas luas! Aliás, Alexander Pope tem uma relação muito
mais próxima com a astronomia do que ter um satélite com nome de suas personagens.
Ele era amigo íntimo de Sir Isaac Newton, um trouxa que descobriu a fórmula que
descreve o movimento das órbitas dos planetas.
A sonserina arqueou levemente a sobrancelha, surpresa. Estava aí uma
coisa sobre astronomia do qual ela não tinha conhecimento, nunca ouvira falar
desse tal de Newton, já que eram os teóricos bruxos que lhe serviam de base de
conhecimento. Mas, voltando-se para a sua empolgada aluna, perguntou:
- Você realmente gosta de literatura inglesa, não?
- Sendo criada por um escritor, como não gostar? Aliás, se não fosse a
literatura, eu jamais teria nascido. Meus pais se conheceram em uma feira de
livros!
Percebendo a enorme felicidade da prima diante daquela descoberta de
afinidades entre a matéria que tanto lhe afligia e uma das grandes paixões da
menina, a morena acabou relevando a interrupção que a princípio aparentara ser
inconveniente, e aproveitou a deixa para lançar uma proposta que facilitaria a
aprendizagem da grifinória.
- Talvez, então, seus conhecimentos literários te ajudem a compreender
melhor as peculiaridades sobre esses satélites. Uma espécie de analogia, quem
sabe? – sugeriu a sonserina.
- Com certeza! – respondeu Meri, prontamente.
A ruiva tomou uma postura completamente nova diante das esferas que lhe
eram apresentadas por Adhara. Ao entusiasmo inicial de ter aumentado suas notas
nos deveres de Astronomia, somou-se a feliz descoberta que a matéria poderia
ser algo bem interessante. Qualquer coisa que tivesse relação, mesmo que
indireta, com sua paixão por literatura, não poderia ser do todo ruim. E tinha
que admitir, Adhara era uma excelente professora. Juntando todos esses fatores,
pela primeira vez nos últimos cinco anos, Meri começou a cogitar a
possibilidade de imaginar Astronomia como algo até divertido.
Terceira Aula
A Torre de Astronomia estava completamente vazia, a não ser por uma
jovem solitária e silenciosa. Sentada perto do parapeito do recinto, ela tinha
o queixo apoiado por sobre um dos braços e fitava distraidamente a paisagem
externa. O vento beijava seus longos cachos escarlates, fazendo com que o
ondular de suas madeixas lembrasse as chamas vivas de uma fogueira.
Perdida em devaneios, a ruiva não notou a chegada de uma outra garota,
de cabelos cinzentos e sérios olhos azuis, que trazia a tiracolo um telescópio
de latão e várias cartas estelares.
- Boa noite, Meridiana. Chegou cedo hoje. – disse a morena de modo quase
simpático.
Meri se virou, fitando a prima.
- Boa noite, Adhara. – respondeu com um fraco sorriso. – Como é nossa
última aula antes dos N.O.M.s, achei melhor não me atrasar.
Adhara observou Meridiana com afinco. Havia alguma coisa diferente em
sua prima. A grifinória parecia abatida e triste. Debaixo das orbes verdes de
Meridiana duas olheiras escuras se pronunciavam, e o olhar da ruiva, sempre
brilhante e confiante, havia sumido, dando lugar a uma expressão opaca e
distante. A sonserina surpreendeu-se por sentir uma leve pontada de preocupação
em relação a Meri. Mas suprimiu o sentimento, justificando para si mesma que o
esmorecimento da grifinória, certamente, se devia ao pesado fardo que os
estudos para os Níveis Ordinários de Magia haviam trazido, não apenas para a
Meri, mas para todos os quintanistas do castelo.
- Bem, já que é assim, acho melhor começarmos nossa aula. – disse
Adhara.
A sonserina apoiou o telescópio no parapeito de pedra, e espalhou
cuidadosamente as cartas estelares sobre uma das grandes mesas que havia na
torre. Meri aproximou-se com curiosidade para averiguar a tarefa que sua prima
executava com tanta atenção. A ruivinha não pôde deixar de arregalar os olhos
com leve surpresa ao perceber que Adhara encaixara cada uma das cartas
estelares de maneira a formarem um perfeito mapa da posição das estrelas no
céu, como se fosse um grande quebra-cabeça.
- Pensei em darmos uma pequena revisada nas constelações, já que esse é
um assunto que sempre é abordado nos exames. – Adhara abandonou as cartas
estelares para regular a posição de seu telescópio enquanto iniciava a
explicação – Uma ação involuntária do ser humano, conseqüência do modo como
enxergamos, é associar os grupos de estrelas mais brilhantes a figuras
conhecidas, como num jogo de juntar os pontos. Esses desenhos imaginários são
as constelações. Constelação, do latim constellatio, significa reunião de
estrelas, um agrupamento arbitrário de estrelas que representa a silhueta de
entes mitológicos, animais ou objetos.
Dando-se conta de que estava perdendo uma explicação importante, e já
conhecendo de antemão a impaciência que Adhara apresentava sempre quando tinha
que repetir alguma coisa que havia dito, Meri se apressou para encontrar lugar
em alguma das mesas e apoiar sua pena de repetição rápida sobre um pergaminho.
- Do mesmo modo como podemos dividir o mundo em regiões equatoriais,
boreais, austrais e circumpolares, a esfera celeste também pode ser seccionada
em áreas. Assim como a Terra possui paralelos e meridianos, o mesmo vale para a
esfera celeste. Cada um desses círculos é como uma projeção no firmamento de
seu equivalente terrestre. Desse modo, cada constelação passa a pertencer a uma
região específica do céu. – a sonserina então voltou-se para Meridiana, e
percebeu que a grifinória não fazia nada além de observar a pena anotar
maquinalmente cada palavra que era dita. Adhara suspirou, a ruiva não estava lhe
prestando verdadeira atenção naquela noite.
A jovem de cabelos cinzentos caminhou com decisão até a prima e apanhou
a pena de repetição rápida que riscava o pergaminho, fazendo Meri fitar-lhe com
surpresa.
- Diga-me quais são os grupos em que se dividem as 88 constelações.
Meridiana piscou algumas vezes, até compreender que a prima lhe fizera
uma pergunta.
- Bem, existem as zodiacais... Equatoriais, austrais, boreais... – a
grifinória parou de falar, mordendo levemente os lábios, não conseguia lembrar-se
dos demais grupos.
- Circumpolares do norte e circumpolares do sul. – Adhara completou. –
Agora cite as constelações presentes em cada grupo.
A ruivinha suspirou, sabia que Adhara tinha plena noção de que ela não
seria capaz de responder àquela questão e a fizera de propósito.
- Eu entendi o seu ponto, vou tentar prestar mais atenção a partir de
agora. – disse Meri, de um modo um tanto quanto apático.
A sonserina permaneceu em silêncio, fitando a prima de maneira
inexpressiva e enigmática. Não adiantaria em nada continuar com aquela aula,
poderiam permanecer na torre até o amanhecer e Meridiana não obteria avanço
algum nos estudos. A cabeça da ruivinha parecia estar vagando muito longe
daquele local. Adhara colocou a pena de repetição rápida de volta sobre o
pergaminho da prima.
- Você não está bem esta noite. Não sei o que lhe aconteceu, e você nem
precisa me contar, mas é visível o seu abatimento. Apenas certifique-se de
revisar antes dos exames em qual grupo está cada constelação, a lista se
encontra no capítulo XVII do nosso livro de astronomia. Pode ir.
A grifinória de olhos verdes levantou a cabeça para fitar sua prima com
uma expressão incrédula. Adhara simplesmente não demonstrava nenhuma emoção ao
dizer aquilo, mas Meri sentiu uma pontada de culpa no peito. Não queria que a
prima pensasse que não dava valor àquelas aulas.
- Adhara... – começou a grifinória. – Eu...
Meridiana queria se justificar, explicar para a prima todos os motivos
de sua distração, de seu abatimento. Mas não conseguia, simplesmente não
conseguia! Qualquer palavra sobre o recente encontro que tivera com Ludovic lhe
morria na garganta... Falar com Frida era uma coisa, afinal, sua tia conhecia
bem o cretino. Mas conversar com seus amigos, mesmo sendo eles os responsáveis
por seu retorno à escola, ou com Adhara, que ainda não sabia de nada, era
completamente diferente...
Adhara mantinha os olhos fixos em Meri, esperando que a grifinória
prosseguisse com sua fala, mas notando que a prima se mantinha calada e com os
olhos voltados para o chão, disse:
- Meridiana, eu já disse que você pode ir, não há mais nada que possamos
fazer aqui nesta noite.
- Eu só não quero me despedir de você assim! – disse a ruiva, num só
fôlego, reunindo algumas parcas forças que lhe restavam nestes últimos dias. –
Não quero que você me tome por ingrata apenas porque hoje não estou no meu
melhor. Eu lhe sou verdadeiramente muito agradecida por toda a ajuda que você
me deu com estas aulas.
- Você não tem o que agradecer, Meridiana, se me dispus a te ensinar,
foi apenas porque eu quis.
Meridiana deixou escapar um sorriso desbotado, porém, sincero.
- Tudo bem, Adhara, mas, mesmo assim, obrigada.
A sonserina não respondeu de imediato, virou as costas e começou a
organizar em uma pilha as cartas estelares que se encontravam espalhadas pela
mesa.
- Você vai ser sair bem no teste, basta apenas revisar as anotações das
aulas e o capítulo que te indiquei. – disse sem fitar a grifinória – Boa noite,
Meridiana.
- Boa noite, Adhara.
A sonserina virou-se e deixou a torre sem dizer mais palavra. A ruiva
ainda observou com um fraco sorriso o ondular das vestes negras de Adhara
quando ela passou pela porta. Apesar de tudo que sucedera-se, Meri tinha
esperanças de, pelo menos, ter deixado a jovem Ivory com uma boa impressão a
seu respeito. Afinal, a garota de cabelos cinzentos parecia até estar um tanto
mais gentil e, quem sabe, até mesmo carinhosa, durante as últimas aulas que
tiveram.
Meridiana começou a reunir seus pertences para deixar a torre, quem
sabe, a partir de agora, Adhara Ivory finalmente daria espaço para iniciar-se a
aproximação que Meri tanto ansiara ter com sua prima da Sonserina?
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